O intestino, chamado de “segundo cérebro”, é especialmente sensível ao traume invisível. Alterações na motilidade, permeabilidade intestinal, sensibilidades viscerais e disbiose podem surgir quando o estresse se torna regra.
Isso explica o aumento de quadros como gastrite nervosa, intestino irritável e desconfortos sem causa aparente, que são expressões somáticas de tensões emocionais acumuladas. Na dimensão psicológica, o trauma invisível também molda comportamentos. O psicólogo Douglas Kawaguchi, professor da Faculdade Sírio-Libanês, explica que a autossabotagem é um dos efeitos desse processo.
“O corpo aprende por repetição e passa a generalizar ambientes ou situações como ameaçadores, mesmo quando não há risco real. O padrão emocional, antes inconsciente, acaba afastando a pessoa de oportunidades, relações ou tarefas importantes”, explica.
Kawaguchi lembra ainda que grupos vulneráveis — como crianças, adolescentes, pessoas minorizadas socialmente ou com pouco suporte emocional — são mais afetados. Eles não só sofrem microagressões com maior frequência, como têm menos recursos para processá-las, o que torna a resposta corporal mais intensa.
A medicina e a psicologia já conseguem identificar marcadores biológicos que refletem estresse contínuo, como alterações hormonais, inflamatórias e metabólicas. Esse processo pode agravar resistência à insulina, compulsão alimentar, ganho de peso, disfunções menstruais e problemas sexuais, porque mantém o sistema de alerta acionado além do necessário.
Quando buscar ajuda e como romper o ciclo
Apesar disso, sintomas psicossomáticos não devem ser confundidos com exagero. Para Kawaguchi, eles são tão reais quanto os físicos, embora não tenham uma causa orgânica evidente. Por isso, a prática clínica recomenda investigar primeiro causas médicas e, depois, avaliar fatores emocionais, o que facilita um diagnóstico mais preciso.
O tratamento envolve duas frentes: aliviar sintomas e trabalhar a origem emocional. Meditação, práticas de compaixão, vínculos saudáveis, organização da rotina e hábitos de saúde ajudam a reduzir o impacto imediato, mas não substituem o trabalho profundo de reconstrução emocional.
Psicoterapia — seja somática, existencial, analítica ou integrativa — é essencial para reorganizar padrões e dar nome às experiências que permaneceram silenciosas. O sinal de alerta para buscar ajuda surge quando a vida cotidiana começa a perder funcionalidade.
Dores recorrentes, inflamações, insônia, irritabilidade, sensação de inferioridade, medo sem motivo, falta de energia, sintomas físicos sem explicação médica e impactos no trabalho ou nas relações são indícios de que o corpo já está pedindo socorro.
No fim, os traumas invisíveis são silenciosos, mas não são pequenos. Eles inflamam, desregulam e atravessam o corpo de maneiras diversas. Reconhecê-los, validar seus efeitos e buscar suporte adequado é o primeiro passo para romper o ciclo e reconstruir uma forma mais leve e real de existir.
Fonte:
Metropoles

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